domingo, 4 de setembro de 2011

Valentões virtuais


Percebo uma grande semelhança entre as discussões que ocorrem em listas de e-mail e as brigas de trânsito. No trânsito, salvaguardados pelos vidros elétricos, motoristas trocam todo tipo de ofensa quando se sentem desrespeitados. Nas listas de e-mail, assim como nos comentários de blogs e fóruns de debate pela internet, a distância física faz as vezes dos vidros elétricos e protege a identidade e os dentes. Mas há aqueles casos, e creio que isso esteja aumentando, em que o cidadão vai desde o comentário desagradável até a ofensa, passando por injúria, e assina os comentários ou e-mails.
Exemplo: recebi um e-mail de um colega empolgadíssimo dizendo que a empresa Ericsson estaria distribuindo gratuitamente notebooks com o objetivo de se equilibrar com a Nokia, que estaria fazendo o mesmo. E dava o caminho das pedras de como conseguir um computador. Não faz sentido, está na cara que é lorota de algum desocupado.
Esse e-mail foi respondido por um dos destinatários em tom de piada, dizendo que já havia ganho helicópteros e carros dessa maneira. Mais abaixo, ele aumenta o tom: "Pensando bem, é uma santa ingenuidade. Como é que alguém com um certo nível de inteligência é capaz de acreditar numa coisa dessas e sair passando tal mensagem adiante?"
Ou seja, chamou o cara de burro diante de toda a lista de contatos. O ponto que me chama a atenção é: a reação seria a mesma se fosse pessoalmente? Se essa ideia absurda de notebooks de graça tivesse surgido numa rodinha de amigos, a postura certamente seria outra - eu, por exemplo, morreria de vergonha alheia e contemplaria o teto - ainda que houvesse ironia. Em nome da boa educação e convivência, não falamos certas coisas que, até pensamos, mas não convém externar. Diante das 14 polegadas do LCD, surge uma valentia que é tão desnecessária quanto mau educada. Como se houvesse virtude em ter a última palavra.
Tem dias que o e-mail da minha turma de formação militar se parece com uma batalha campal. Pessoas que têm suas diferenças se dedicam a escrever parágrafos e mais parágrafos defendendo pontos de vista e apontando falhas dos desafetos. Os dez dedos que digitam são um indicador em riste. É muito chato, eu apago a maioria desses e-mails. Preguiça desse tipo de discussão inócua.
Chama a atenção o tempo de que dispõem para escrever seus monólogos. Me pergunto: fosse pessoalmente, essas pessoas estariam se atracando pelos quartéis? Duvido muito. Não aceito a desculpa de que estão "falando na cara", o que hipoteticamente é uma atitude honesta e legitimaria ofensas.
Tenho a impressão de que existe uma ansiedade pelo momento de soltar as feras. Que as pessoas aguardam o momento de poder explodir todas as insatisfações suportadas.
Semana passada houve um atropelamento na rua casa. Uma menina de uns 12 anos, que estava acompanhada pela irmã mais velha, foi atingida por um carro. Estava chovendo.
O carro parou uns metros adiante, a irmã mais velha foi correndo em direção carro (acho que queria evitar uma fuga) enquanto a caçula berrava de dor pelo pé visivelmente avariado. Foi inacreditável: a irmã da atropelada e uma passageira do carro ficaram batendo boca na calçada e trocando farpas ("vocês são loucos? isso é uma rua" e "você que não cuida da sua irmã", para ilustrar o repertório). Não fosse um cara grandalhão que passava pelo local pegar a garota no colo e dar uma enquadrada nas duas descontroladas ("menos, menos!! Tem que levar a garota pro hospital"), acho que a menina teria que ir pulando num pé só.
Felizmente, acho que é uma minoria que se xinga no trânsito e uma minoria que se dedica a desqualificar os contatos por e-mail. Aqui no Rio muitos carros têm colado o adesivo "Gentileza gera gentileza". Não podemos esquecer que o oposto também é verdade.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Zé Carioca Ltda.

A busca por dois pés de sofá na última semana me colocou frente a frente com a índole do carioca, no pior sentido que isso possa ter. Procurei em mais de dez lugares, entre madeireiras, lojas de decoração, casa de ferragens e fábricas de móveis.
Parece que fui a primeira pessoa no Rio a procurar pés para sofá. Até na internet a busca se mostrou infrutífera.
Escutei de tudo entre os comerciantes, na maioria das vezes, indicações tipo "aqui não tem, mas na loja ou na rua tal você encontra". Quando não encontrava o telefone, o jeito era ir pessoalmente e descobrir que a loja tinha de tudo, menos os pés.
Nessa peregrinação, conheci o Ribamar, que trabalha numa fabriqueta no Catete.
O cidadão ficou de vir em casa para ver o sofá na quinta. Ficamos esperando, mas não apareceu.
Tinha o telefone, mas não ligou.
Na sexta, achei uma loja na rua Buenos Aires, a qual já tinha ido, e ouvi as palavras mágicas. "Sim, temos pés de sofá". Soou feito música. E mais: o vendedor, o cearense Itaéce, fazia a colocação (que demandaria furar e serrar), "por fora".
***
Estamos em casa, aguardando o sujeito, quando toca o interfone.
"Sim, pode subir". É o homem do sofá. Bendito seja!
O homem foi recepcionado e já estava com a mão na massa quando eu entrei na sala e, susto! Não era o Itaéce, era o Ribamar, que estava umas 24 horas atrasado. E ainda trouxe a correspondência, a pedido do porteiro!
O homem foi devidamente situado do que estava acontecendo e, ao sair, no corredor, cruzou com o Itaéce - e ainda deu a dica do serviço que precisava ser feito.
Os pés foram instalados e o sofá voltou a ativa. O cearense cobrou bem cobrado, mas paguei sem reclamar.
***
Tenho minhas dúvidas se o Ribamar é carioca. Está mais para conterrâneo do Itaéce. Mas sua atitude foi do mais puro carioquismo - minhas dificuldades com prestadores de serviço no Rio já foram aqui narradas.
A minha reclamação não é com os cariocas em específico, mas com um tipo de comportamento que, aqui no Rio, parece regra. Uma insolência, um deixa para depois sem fim.
Se o problema for mesmo da cidade, tenho que me precaver e cultivar ao máximo minhas raizes paulistas e minhas aptidões paranaenses.
***
Tenho muito apreço pelo sofá, que já aguentou uma, duas e muitas pessoas.
A sala estava pouco convidativa com o sofá inutilizado.
O quanto essa procura me desgastou reforça o quanto minha casa é importante para mim. "Minha casa, minha casinha, merda para o rei e para a rainha", diria a bisavó portuguesa.
***
Para quem procura pés para sofá, vai a dica:
TAL HOUSE - Ferragens e Acabamentos
Rua da Conceição, 34
Centro
Rio de Janeiro-RJ

domingo, 17 de abril de 2011

Linha de produção

Existe uma tendência a automatizar praticamente todos os tipos de serviço, inclusive aqueles que, a meu ver, não são automatizáveis.
Meu irmão diz que, se você for ao Subway e pedir os ingredientes fora de ordem (a salada antes do queijo, por exemplo) vai dar um tilt na linha de produção e a atendente surta.
Eu já vi isso acontecer. Um dia, uma senhora subverteu a ordem fordista: entrou pela saída e pediu um "sanduíche de salaminho". A opção é inxexistente, muito embora o salaminho repouse do lado de dentro da vitrine.
"BMT, senhora?" A frase soou totalmente sem pé nem cabeça para a senhorinha, que olhou a atendente e disse, pausadamente, sa-la-mi-nho. Nada feito. A atendente grunhiu uma série de nomes de sanduíches, com aquele muxoxo típico de quem não gosta do que faz.
A pendenga só foi solucionada com a presença do gerente, que fez o óbvio e explicou quais sanduíches levavam salame. Embora óbvio, parece que essa atitude não consta das normas da casa, nem em caso de emergência.
Outro dia resolvi dar uma segunda chance a uma clínica de depilação que já havia sido reprovada uma vez. Voltei motivada pelo resultado, que é bom. O trato com o cliente, porém, é bizarro. Pelo Menos é o semi-trocadilho que batiza o local.
As funcionárias seguem com absoluto rigor o catecismo da franquia. Recepcionam as clientes com frases decoradas a respeito dos procedimentos adotados. Experimentei dizer que não tinha entendido e pedi para repetir. E a moça reproduziu até mesmo as pausas da respiração. É como um atendimento de telemarketing, com o agravante de ser cara a cara. Mais mecânico, impossível.
E isso não é tudo.
Não pode falar no celular enquanto depila.
Não pode tirar a sombrancelha com pinça. ("só com cera, senhora")
Não pode, resumindo, pedir a depilação do seu jeito. Nem adianta explicar como quer. A moça jamais vai contra o catecismo depilatório, independente do que a cliente argumente.
É como falar com paredes.

Isso me fez lembrar de um filminho que o Marcelo Adnet mostrou ontem em seu programa. Um cara, de carro, para num lugar qualquer e fala: "Como eu chego no bairro tal? É que eu vou lá torturar uma idosa". As pessoas abordadas dão a informação numa boa e simplesmente não escutam a parte absurda da frase.
Me lembra também uma cena de O Fabuloso Destino de Amèlie Poulain, na qual ela vai visitar o pai e, ao percebê-lo totalmente aéreo e alheio à conversa, diz algo tipo "e então eu comecei a usar drogas e engravidei", ao que o pai responde com uhum, uhum.

É difícil ouvir tudo o que nos dizem.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Meta


Meta: até o final do mês escrever um post.

E tenho dito.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

domingo, 3 de outubro de 2010

"Viver ao teu lado é um tormento"

Algum dia da semana passada foi dia da secretária.

As duas do andar em que trabalho, senhoras na casa dos 50, foram parabenizadas com um lanchinho e flores dadas pelos respectivos chefes.
Enquanto os dois buquês de rosas vermelhas aguardavam a vez de serem entregues, tinham a companhia de uma cesta de café da manhã (acompanhada de um vaso de kalanchoe alaranjadas) e de um vaso de lírios brancos.
Chegaram até a copa por engano. O destinatário era uma mulher que, para fins de narração, será chamada de Misses Lane. A referida dama não foi encontrada, não havia ninguém com aquele nome no prédio, destinatário desconhecido.

No dia seguinte, motivadas pela curiosidade (mas usando a necessidade de dar destino às plantas como pretexto) as duas secretárias que haviam sido homenageadas na véspera violaram o cartão.

Um caligrafia feminina e arredondada dizia que sua vida havia mudado depois que Misses Lane havia entrado em cena, e que esperava que, um dia, pudessem estar a dois. No verso do cartão, a sentença: "Viver ao teu lado é um tormento".

Mil conjecturas mobilizaram os colegas. Em todas a hipóteses, a certeza de se tratar de um amor proibido. E nada de Misses Lane dar o ar da grça e acabar com o mistério.

Faltando uns dez minutos para o fim do expediente, ela aparece: uma moça de uns 35 anos, leve sobrepeso, cabelos e olhos pretos, rosto redondo. É contratada de um empresa terceirizada de limpeza e trabalha no prédio ao lado.

Eu não dei conta e ficar e ver a reação ao ler o cartão - àquela altura, já violado e lido.

Depois me contaram que ela disse que era casada e que o galanteador devia ser um vizinho. "Um garoto", ela disse.

Não colou. Uma das secretárias cinquentonas tem certeza de que o apaixonado é o chefe de Misses Lane.
Encontrei-a em seguida e não resisti. Perguntei: sendo casada, como ela entraria com a cesta em casa? Uma colega da terceirizada se prontificou a dividir a cesta com as outras colega.
Fica a dúvida: quem é o atormentado?

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Personagens da Glória

Ela se chama Kátia, mas podia ser Macabéa.
Cabelo curto tonhonhóin bem miudinho, brincos de arame em forma de coração. Discreta, só conversa com as clientes quando é solicitada. Em silêncio, se concentra nas cutículas e cantinhos mais difíceis e faz uma tromba enquanto trabalha.
Não é mau humor, me parece, é o mais puro estado de alienação do universo ao seu redor.


Já a flagrei esquadrinhando as clientes, nos momentos de folga entre um pé e uma mão.
Com os ombros levemente arqueados, faz o mesmo muxoxo de quando está operando o alicate. E espreita.
Observa e demonstra analisar com a mesma meticulosidade que dedica às unhas e membranas os gestos, expressões e narrativas de seu público.
É fato: a Macabéa postiça presta muito mais atenção na fala de outras clientes do que na de suas.

Não é bonita e nem feia. Não parece alegre e nem triste. E nem é engraçada.
Tenho a impressão de que ela é muito tímida.

Macabéa trabalha no salãozinho da rua debaixo de casa. Só tive a oportunidade de ser atendida por ela duas vezes - é a mais requisitada do salão.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

A vida é trânsito II

Este blog existe desde 2007 e, ano a ano, escrevo cada vez menos posts.
Não é uma marca nada lisonjeira.

O nome "A vida é trânsito" surgiu de uma conversa com uma amiga na qual concluímos: a vida é trânsito. Hoje entendo que a vida é trânsito, é encontro, é desencontro, é um amontoado de gente tentando ser feliz.
Ninguém é feliz sozinho. Nas minhas mudanças de lar mais recentes - foram três cidades e quatro lares em menos de um ano - tive muitos momentos daqueles em que você, de repente, se vê em meio a um bando de gente semi-conhecida. É uma dureza. Ainda bem que entre os semi-conhecidos surgiram alguns amigos. Não são muitos, mas são amigos, e isso é o que importa.

Outro dia eu vi uma entrevista com o ator e roteirista argentino Ricardo Darín. A repórter, já no fim da entrevista, perguntava a respeito do casamento dele. Darín é casado há mais de 20 anos, separou-se e voltou para a mesma mulher. Percebi uma certa emoçãozinha típica das pessoas que se sentem agraciadas pela vida ao falar dela. Ele disse:

-"É ela quem, há 20 anos, faz com que as coisas pareçam estar sobre os trilhos".

Puxa vida, essa frase me soou tão bem!
"Estar sobre os trilhos" me dá a ideia de uma direção certeira, um rumo.
Um trânsito que sabe onde vai.
(Vejam: ele falou "pareçam estar". Pé no chão, o hermano.)

Explicado o nome do blog, vamos ao porquê do blog.

Sempre gostei de ler. Sempre gostei de escrever.
Penso que me explico melhor escrevendo do que falando.
E queria escrever sobre as coisas que gosto: observações da ordem da subjetividade muito pouco relevantes para o progresso da humanidade.

Penso neste blog como um caderno que vi ontem à venda numa papelaria que adoro no Largo do Machado.
Lindo, capa lisa de papel cartão, folhas de papel amarelado e encorpado.
Cantos arredondados.

Na contra capa, um aviso: caderno para escrita agradável.

É essa escrita que eu valorizo.
***
Post A vida é trânsito

domingo, 18 de julho de 2010

Feirinha da Glória

Gosto de arrumar as coisas. Como já disse aqui, anteriormente, acredito que a arrumação tem um poder terapêutico.
Mais por necessidade e menos por terapia, tenho arrumado algumas coisas minha casinha que ainda não foram para o lugar. Dia desses, abri a última caixa da mudança que AINDA estava fechada, depois de um ano de encaixotada.
Ora, se eu vivi mais de um ano sem as coisas que estavam lá dentro, poderia me desfazer delas.
MAS... aí abri a caixa, encontrei aquela camisolinha que eu nem lembrava mais que existia e, tenho certeza, vai ser muito últil quando o verão carioca der as caras. Aí reencontrei uma sandália querida e vestidos confortáveis. Separei duas pilhas: 1) coisas úteis ou aquelas sobre as quais impera o apego; 2) cacos velhos que, Deus meu, porque eu guardei?
As peças da "pilha 1" tiveram dois destinos: campanha do agasalho ou o meu armário (depois de lavadas para tirar o cheiro de guardado de tanto esperar).
A "pilha 2" não poderia ir para o lixo. Eram cacos velhos sim mas, já anotei em minhas andanças, esses cacos velhos são o ganha pão de muita gente nas ruas da Glória e do Catete.
E então, saí com três sacolinhas. Uma de roupas, uma de sapatos e uma de quinquilharia tipo maquiagem e brincos que me dão alergia.
Entreguei tudo para o Sebastião, um senhorzinho magrelo comerciante do rejeito alheio, que disse -"já tamo amigo!"
O estranho vai ser andar pela rua e ver meus ex-pertences à venda.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Concentração final

Amanhã de manhã 125 pessoas que se viram umas duas ou três vezes na vida vão ter um último encontro civil antes de ingressarem na vida milica. É a última etapa do Estágio de Adaptação de Oficiais Temporários 2010, em Belo Horizonte.
Há quase um ano atrás, éramos eu e meus 160 e tantos colegas. Lembro perfeitamente da fila do lado de fora do quartel, de entrar no Ciaar e não saber para onde ir, de esperar naquelas poltronas azuis, de conferir e reconferir os muitos documentos.
Na semana seguinte, as poltronas do Auditório Doorgal Borges entrariam na minha cabeça para nunca mais sair, muitas horas insones foram passadas nelas. Em poucos dias parecia que eu conhecia o Ciaar desde sempre e, algumas daquelas pessoas, então, nem se fala.
Bons tempos.
Torço para que a turma do EAOT 2010 goste tanto do Ciaar quanto a maioria das pessoas da minha turma curtiu. Os próximos três meses não serão nada fáceis, mas é um difícil que fica bom. É inesquecível e deixa uma saudade absurda.